o cigarro que tinha viciado aos dedos
sentado do outro lado da esplanada
sentado do outro lado da árvore
sentado do outro lado do caminho por onde passa o empregado
sentado do outro lado da luz pendurada no toldo
sentado do outro lado do velho a jantar sozinho
sentado do outro lado do meu bife a arrefecer enquanto te descrevo
e oxalá estivesses mesmo atrás do meu bife
que ao apetite mantinha-o ocupado com ele
o bife
enquanto a ti
que és ele
mantinha-te ocupado comigo
que entretanto já tenho meio bife comido
e não me parece que o apetite fique por aí
talvez prefira sobre a mesa
em espessas babas de camelo
que lembra a delícia dos teus olhos
irrequietos
à espera de ver os meus
outra vez
o cigarro inclinado nos dedos
com as costas
colossalmente encostadas
contra a coluna
e no corpo só a armadura de luzes e fumo
e no corpo só a t-shirt rasgada pela barriga
e no corpo só a cerveja peganhenta aos pelos dos braços
e no corpo só o cheiro peganhento aos pelos da barba
no teu corpo
o umbigo
e o pescoço em oblíquas tatuagens
e a pronúncia que te agarra a casa
e o cabelo
que amarras aos teus punhos também
entregues
antes de tos pedir.
11 abril 2019 : 00.59