Às vezes nem sabemos que os temos. Entranham-se. Alimentam-se do que comemos, respiram-nos o ar. Toda a gente os tem. Toda. Nunca estamos sozinhos. Nunca nos deixam. Zumbem nos ouvidos, ardem na pele, entopem os sentidos. Paralizam-nos, mesmo no grito.
- Está tudo bem?
- Sim.
Quase que sentimos vontade de vomitar de tanto nojo, de tanto ódio, de tanto medo. Atacam-nos de repente e mudam-nos as palavras e as imagens e a maneira de pensar. São resíduos do que fomos que deixam queimaduras por dentro.
Às vezes esquecemo-nos que os temos. Somos confiantes e acreditamos nisso. Mentimos. Perdemos a noção de que eles são verdadeiros até se repetirem, eventualmente. Alguns repetem-se. Vício absurdo.
- Mesmo?
- Sim.
Abafamos outra vez todo o pânico, enquanto o deixamos consumir-nos devagar, devagar, devagarinho. Ficamos curtos e mudos até para nós próprios. Não sabemos como nos explicar e vivemos assim.
Acaba por passar com tempo. Até à próxima vez que me lembrar.
- Queres-me contar alguma coisa?
- Não. Estou bem.
Morrem connosco. Na mesma campa, no mesmo caixão, na mesma roupa, na mesma pele, no mesmo sangue. Nem mesmo o último suspiro os deixa sair.
Se imaginarem o silêncio é isso que eles são. Silêncio.
23 Julho 2008 : 04.31