sábado, 30 de setembro de 2006

Gaivota que voas.



Gaivota branca que não voas à toa
Nessa escuridão insuportável,
Chamo por ti, mas minha voz não soa
Perde-se, no sempre irrevocável.

Tuas penas brilham como estrelas
Na calada da noite reluzindo.
Exalto-me, mas não consigo vê-las.
Como os ventos, vais daqui fugindo.

A noite chama-te e eu também.
Quero-te aqui, mesmo ao meu lado.
Se estiveres aqui jamais me magoas.

Foges com quem te seduz e contém,
Mas vais voltar porque ouvi no fado.
Quero-te aqui, gaivota que voas.
1 Maio 2004

quarta-feira, 20 de setembro de 2006

Vómito.


Mais uma vez. Corri como pude para o quarto de banho. As minhas pernas mexiam-se mil vezes mais devagar que as batidas do meu coração nos ouvidos. E as pessoas. Não percebiam o que se estava a passar? Agarravam-me, sussurravam-me, sorriam-me.
Cheguei ao lavatório. Vomitei. Gritei aquela merda toda para fora. O álcool que me violava a vontade. As drogas que me deixavam tão leve e confiante. Lambi os lábios e eram tão doces. Senti um braço a puxar-me e não percebi a sequência que se passou a seguir. Uma língua lambia-me os restos do vómito ainda nos dentes e eu nem percebi quem era. Um sorriso.
Olhei-me ao espelho e vi-me enevoado entre as lágrimas do esforço ao vomitar. Bebi um pouco de água e molhei a cara. Estava pronto para preencher os meus poros de música e suor. Saí triunfante e já encarava melhor os apelos: reagia às mãos que me tocavam; respondia aos sussurros; encerrava os sorrisos num beijo. Toda a gente o fazia. Toda a gente era uma só. Por isso dancei e gritei de euforia e desejei nunca mais parar de rodar.
Silêncio. Só uns olhos verdes e um beijo escuro e doce. Desta vez não era a minha boca que tinha esse sabor. Senti o meu corpo parar e só ouvia o barulho das nossas línguas. Aquele beijo. Tão suave e cuidadoso, como se fosse um crime. E não sei se foi de mim, mas senti-o tão lentamente. Lento, lento, lento. "Sentes-te melhor?". Aquela pergunta pareceu-me absurda, mas gostei de a ouvir. Acenei com a cabeça porque não conseguia articular as palavras na boca. As misturas deixam este efeito em mim.
Na minha cabeça começaram-se a fundir as texturas e as cores de um mundo escondido, clandestino. A sua promiscuidade escarnada agoniou-me. Senti-me a afundar e creio que os meus olhos escureceram. Senti um suor gelado que me preocupou. Vomitei. Estava mais limpo agora e com medo de outra noite assim. No entanto, prometi-me que voltaria a encontrar aqueles olhos verdes.


20 Setembro 2006 : 4.16

terça-feira, 5 de setembro de 2006

Esquizofrenia.


As danças esquisistas de voltas e mais voltas. Os olhares agressivos de tanto vício que provocam. Os reflexos fictícios num espelho mal quebrado. Os silêncios num pânico mal resolvido. Um copo de sangue prestes a ser saboreado. O sabor a um Porto delicioso junto a cabeceira da cama. Um corpo imaginado que se constrói ao fechar dos olhos. O toque arrependido das minhas unhas roídas. A transformação da tua cara numa poça de cartas rasgadas. Uma caixa aberta sem segredos a revelar. A viagem para longe. A vontade de não ficar. Um cigarro oferecido num sacrifício divinal. O trago de uma lágrima azedada pelo tempo. O enjoo das noites sem estrada nos pés. O fumo da manhã que me tapa a casa. As fugas que deixam saudade. A promessa do regresso. O desejo de cumprir. Os perfumes nos cabelos. A luz que me lava os pés descalços. As portas fechadas por palavras de ofensa. O encontro dos lábios no escuro. O álcool nos teus dentes. As nossas roupas com cheiros iguais. O coração que nem sabe o que pensa. A raiva num grito que inunda o meu espaço. A parede onde te encostas. A ausência de protecção no teu abraço. Os sussuros da música nos ouvidos. Um táxi à procura de lugar. Um sorriso apreciado. Um elogio que te dou. Um novo olhar para a Lua. As gargalhas nas cambalhotas na areia. O cheiro da comida que preparas. Um banho frio pela manhã. O meu olhar nos dias de calor. As fotografias das recordações reais. As canetas que perdem a tinta. O convite para entrares. O pedido para existires. O encanto de pintar os lábios. A desilusão de quem não deixa recados. O sinal de saída quando não se quer. O teu jeito de andar. O tropeçar nas escadas. O toque das pedras da rua. O vento quente dos eucaliptos. As sombras de um sonho escondido. As canções que canto sozinho. Uma pancada no peito. A perda dos sentidos. Os cortes nos braços para saber que existo. Uma venda na cara. O desespero do menino perdido. A tua garganta arranhada. A minha mão que se enlaça. O início da sedução. O vinho que se acaba. O texto confuso. As linhas que apagamos quando não sabemos escrever. O fim da alucinação.


5 Setembro 2006 : 1.42