sábado, 17 de junho de 2006

"Segue a tua vida, Pedro."


Choveu e chove de novo. Chuva miudínha de água condensada que se desprende do céu e rebenta quando chega ao chão.
Escorre nos telhados e nas vidraças das janelas e nas persianas que se fecharam para a noite. Junta-se em riachos para desaguar num mar qualquer com um novo cheiro a maresia.
As nuvens agitam-se, lá em cima, num corrupio fictício. Também elas têm já destino marcado pelo sopro do vento, que usa hoje um perfume a cidade molhada.
E há veneno em mim para ajudar o coração a seguir também: absinto nas minhas veias para anestesiar a lembrança e inebriar a revolta e paralisar a vontade.
Amanhã será novo dia, recheado de novas horas que seguem atreladas como num comboio sem fim.
Espero não chover amanhã.

17 Junho 2006 : 03.26

terça-feira, 13 de junho de 2006

Trovoada.


Às vezes gostava de saltar para a rua nestas noites de chuva e trovoada. Gostava de ser relâmpago por um momento: brilhar, morrer e deixar um grito de guerra como memória.
Gostava de subir aos telhados mais altos desta cidade e apanhar todos os raios de luz. Prendê-los a uma imagem, violando a sua natureza dinâmica de antecipar o brilho da manhã por um segundo. Encheria o meu quarto de luzes em tons vermelhos, azuis e arroxeados, as cores do sangue celeste, e voltaria a iluminar os meus sonhos com sombras etéreas e solúveis.
Queria sublimar a minha vontade para não haver mais tempestades em mim. Emendar todos os rasgões dos meus lençóis e limpar as manchas de tinta no coração. Congelar as lágrimas já escorridas e sulcar um sorriso que afastaria o nevoeiro dos meus olhos.
Voltaria a correr e a viajar e a voar e a flutuar pelos momentos não apagados. E ao fim do dia, cairía na cama e sentir-me-ía seguro como uma gota de chuva quando cai numa folha numa manhã de trovoada.

13 Junho 2006 : 03.00