quinta-feira, 5 de março de 2015

fechei os olhos para ver melhor

um

há uma nuvem mais peganhenta que vem engolindo a cidade e alastram-se os incêndios por dentro de nós, reacção mais que óbvia à carência de calor.
e ficam só os silêncios na ponta da língua, reacção mais que obvia à ausência de uma vontade maior, mais forte, de rebentar e fazer do rio uma orquestra em chamas, a evidência da mão mais negligente a trocar pelo carinho de apenas um beijinho no rosto.
nem o sino toca por quem morre sem dentes, sem sentir a fálica delícia de ser Homem num corpo em piloto automático. só o cheiro a saliva na ponta dos dedos.
e do longe vem um ruído, um desfazer de sons, que nem sei se é o vento, ou o mar, ou o chão da cidade num lamento mais bruto.
glória às caninas construções de merda a celebrar a benção mais blasfémica sobre o céu da cidade. ó sagrados rituais do defecar, mostra-nos que histórias se falam na outra ponta da boca - uma boca também. só assim se diferencia o verdadeiro perfume a seduzir, a aproximar.
uma luz azul e muitas luzes de uma outra cor, todas iguais, diferentes de azul. até a blusa era azul. que mal tem gostar de azul, bebé?
implosões, milhares, muitas implosões a desabar com a paisagem por dentro de mim. que cor terá a dúvida e de que é feito o pó dos seus destroços para lá dos ossos? e a que cheira a hesitação até chegar às coxas?
uma sirene a rasgar o crepúsculo e a acender a luz mais definitiva da noite. e nem um sino, ou bater de talheres ou um arremessar de chaves. apenas as árvores numa vênia perene a carpir o luto de mais uma noite nadamorta. Piiiiiiiiiiiii.
15 outubro 2014 : 19.22
Graça