sábado, 20 de abril de 2013

Aqui as nuvens até são diferentes, sabes
são feitas de outra matéria
estendem-se com pregas a enrugar o céu
e são formadas de cristais salgados de adolescência
que brilham com apenas um clarão
para depois descerem ao mar e torná-lo mais brando
a carregá-lo de cor
a escurecê-lo
para que possa refletir
o tamanho de toda alba que amanhece atrás das gaivotas.
20 Abril 2013 : 07.00

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Ensaio sobre o peso da noite d'Alfama.

Se achas que a noite te cai leve,
que é só feita de perfume e estrelas,
fecha os olhos, prometo ser breve,
e sente o peso que é ver e não tê-las.
 
Porque se a noite me coubesse a peso
nos bolsos do pijama,
confesso, ficaria surpreso,
seria outro encanto aqui d'Alfama.
 
Mas agora já te tenho aqui
e sei lá eu do que estou a falar.
Falo p'ro tecto porque ainda nem te vi.
Apaga as luzes. Anda te deitar.
18 Abril 2013 : 02.50

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Vinte sete degraus e três linhas do metro.

Aí estás tu. Quase que foi preciso atravessar todas as cores do metro para chegar aqui. E agora só tenho uns míseros vinte sete degraus de distância. E és tão bonita, foda-se, que nem subo de escadas rolantes para me saber melhor. Cheira a pipocas doces em todo o lado e eu continuo a achar que és tu quem prepara este cenário todo.
Aí estás tu com os teus cadernos ao colo e a mochila a escorregar-te do ombro. O teu cabelo está mais brilhante ou então foram eles que trocaram as lâmpadas de vez. Quatro, três, dois, um. A minha boca é a tua. Adoro quando compras destas chicletes. Não, não quero. Prefiro mascar a tua. Melhora quando tem o teu sabor.
Aqui estás tu. Cabes tão bem debaixo do braço e já cabes tão bem dentro de mim. Não sei se vai ser para sempre, se casamos e temos filhos e essas cenas, mas já é bom demais que só preciso de ti agora. Já é bom demais para nunca me esquecer de ti.
Aqui estás tu. E eu amo-te tanto por isso.

11 Abril 2013 : 14.59


segunda-feira, 8 de abril de 2013

é vê-los atracar aqui
como cruzeiros
como veleiros
a erguerem-se em fortalezas fluviais
e a esconder os tesouros por descobrir
carregam na boca marítimas promessas
de encontrar uma costa maior
de inventar um dia melhor
onde há tempo para salgar as palavras
e sarar as feridas das tempestades
não trazem âncoras nos pés
por isso amarram-se a um porto qualquer
na esperança de encontrar abrigo
na esperança de ter vontade para se abrigarem
mas de manhã seguem outras marés.
 
8 Abril 2013 : 01.13


terça-feira, 2 de abril de 2013

Existem pequenas colecções invulgares que nos damos ao capricho de acumular em caixinhas e caixotes desarrumados do dia, como os imperceptíveis buracos na roupa que usamos. Nem percebemos quando é que aconteceu: se foi antes de a vestir de manhã ou se foi um jeito menos jeitoso que a rompeu. Até podia vir já com defeito. Ou foi um bicho qualquer com apetite a mais.
Há quem tenha vergonha e os emende, tapando ou cosendo. Outros tiram proveito dos buracos e modificam toda a peça de roupa. Há quem os use por desleixo, outros pela incapacidade de fazer o que seja, outros por ser moda.
Mas os buracos podem ser mais que um e alargam, alargam demais, e a roupa deixa de ser roupa. Nós passamos a ser a roupa do buraco que fora roupa e nós não servimos para ser roupa de ninguém ou coisa nenhuma. Precisamos de roupa que seja roupa e deixamos que o corpo, o nosso, seja a emenda para os buracos na vida de alguém.
2 Abril 2013 : 04.03