quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

as pessoas correram à praia
treparam rochas
invadiram o mar
por uma partícula que fosse daquela oferenda divinal
que verdadeira maravilha
que explosão celestial
a rebentar por detrás dos navios
encalhados de êxtase

do céu
pendiam castelos de claras
com a enigmática suspensão quando se vira a tigela ao contrário
a ruborescer
inflamados no tom da ameixa acabada de trincar
e a água
uníssona
num só tom de marulhar azul
a estender-se costa fora
no seu marmóreo esplendor

mas nada
nada conseguiu abrandar aqueles segundos de ouro e veludo.

e foi a descer
devagar
toda essa orquestra de luz e brilho e cor
atravessando Nut
desde os olhos da manhã
ao entre-coxas de Héspera
um vislumbre de dia
um crepúsculo mais peganhento
que se demora no seu entardecer
arrastando-se para lá do Mar
de onde todos os sonhos são feitos
sob os olhos de Nyx, a Mãe.

31 dezembro 2014 : 19.14

sábado, 27 de dezembro de 2014

A revelação.

é no momento mais silente da trajectória da Lua
quando os insectos deixam de ser murmuro e sibilos de prata
que o monstro abre as suas asas de noite
e deixa escorrer infinitas línguas aguçadas
a pingar de doce e de mel
e a prender de perto peganhentas estórias vermelhas
a infectar-me dos olhos às mãos
todas as palavras
por menos letras que o seu peso possa ter

é nesse preciso momento em que o segundo demora a avançar
que o sinto a descolar-se de dentro da pele
a ganhar corpo por dentro do meu
e a ser gente mais que eu
a ditar-me penitências desejadas
com os joelhos rubros de prazer
e a boca cheia de ausentes palavras de amor
só sussurros a arranharem-me a garganta
e a uma memória de mim

é nesse preciso momento em que o meu nome se lê de outra forma
que do meu corpo irrompem mais braços
e as costas segregam invisíveis perfumes
sob a vigília atenta de milhares de olhos com dentes
a cobrirem-me de uma cobiça tão leve
e a cristalizarem-me as lágrimas tão pesadas
a envenenarem-me o juízo
e a fazer da ilusão uma vontade deliciosa
e impossível de aguentar

mas nos lábios sempre uma miragem de mar
um brilho   uma promessa
porque o peito é quilha forte - dizem -
não foi feito para afundar.

27 dezembro 2014 : 16.53

mas que tristeza da igreja à praia
mas que tristeza no colar das senhoras de luto e de castanho
mas que tristeza nas esplanadas da avenida da secundária
mas que tristeza por dentro e por fora dos carros sem pressa
mas que tristeza nos olhos nunca mais vigilantes dos senhores da rotunda
mas que tristeza nos jardins a florir de crianças
mas que tristeza no choro do sino ao longe
mas que tristeza no farol por acender
mas que tristeza nos assuntos e nas conversas nunca diferentes
mas que tristeza no abraço dos amigos sempre iguais
mas que tristeza na estranheza do seu calor
mas que tristeza a inundar esta terra
quanta tristeza
tanta tristeza a desaguar no Mar.

27 dezembro 2014 : 16.24