quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

que a falta de honestidade
seja mais brilhante
mais verdade
mas se houver na franqueza mentira
que seja feita a sua vontade
que seja a língua armadilha
os dentes mais
que muros de sorrisos
filtros fingidos
só brilhos ressequidos
no acreditar do esplendor
uma facada nos olhos
uma ferida
uma dor.

15 janeiro 2017 : 03.44

um glaciar verde-lima
congelado ao céu vespertino
e só uma coroa azul-celeste
a ser mais do que se vê
aviões intrusos
a pairar sobre manadas de nuvens
brutas e opacas
num cortejo longínquo
em trovoadas de silêncio
só brilho
só luz
o verdadeiro grito da criação
o cuspe que nos moldou o corpo
em pedras preciosas
numa caixa de betão

iluminam-se as lágrimas celestiais
é o tempo da claridade obscura
o amor pelo medo
gritos   ternura
acendemos o escuro da rua
com invejosos letreiros de néon
a avisar que estamos aqui
a passear ambulâncias histéricas
outro aviso de que estamos aqui
que nos deixaram sozinhos
com monstruosas maravilhas
tentação   descontrolo
o vício pelo apodrecimento do espírito
a não-vontade em ser melhor

Noite de frio, com luas escuras,
minha Mãe desde o Antes
acende-lhes as suas mãos-estrelas
acorda-lhes a razão
porque antes ter tino
do que um coração bolorento
a metastizar corpo fora
a parasitar outros corpos também
que se alinham em dissimuladas marchas
para chegarem onde lhes convém
soam alarmes
trompetes   foguetes
derrubam-se pessoas
como paredes
não há muros que se aguentem de pé
vão de cabeça
não vão pela fé

emulsionam-se virtudes
que expandem para ocupar
tapam-nos os olhos
e a verdade
outra forma de cegar
somos só isto
carne em andamento
rotinas sem alimento
esquecemos que podemos ser mais
que nos podemos abraçar mais
e olharmo-nos mais
para percebermos que apesar do reflexo
somos todos iguais
duas mãos uma boca
é o que basta para alastrar o lume
que se retém nos corpos
mortais

medula   veneno
tudo circula quando há medo
neste mundo pustulento
resta saber quem o quer tratar
olhem para dentro
e que morra em paz quem não se quer importar.

9 fevereiro 2017 : 17.56

felicidade para quem parte em direcção ao Sol
haverá sempre luz
haverá sempre um incêndio por cima do teu marmóreo corpo
reflexo permanente da escuridão abissal por cima de ti
faz-te luz
relâmpago
faísca   incandescência
por mais frio que seja o teu azul da manhã
deixa que haja brilho entre os fragmentos de uma onda contra a costa
faz da espuma e do sal um arco, uma porta sempre aberta
e deixa-me ser contigo
numa eternidade de calor e claridade
suspenso apenas pelo teu ruído de quem se quebra em pedaços
permanentemente.

 24 dezembro 2016 : 18.00

recado

NÃO VALES O FILHO DA PUTA DO ESFORÇO PARA IR DE MOTA ATRÁS DE TI PORQUE NÃO VALES O FILHO DA PUTA DO ESFORÇO QUE OS MEUS OLHOS FAZEM AO DECORAR-TE PORQUE DURANTE TODO O TEMPO DESSE FILHO DA PUTA DE ESFORÇO EU VOU CEDENDO VIOLENTAMENTE À DEPENDÊNCIA DO CORAÇÃO QUE NÃO FAZ O MÍNIMO DO FILHO DA PUTA DE ESFORÇO PARA ESPESSAR TODA A SUA ARMADURA DE CARNE VIVA FRÁGIL E ESSENCIAL PARA QUE TODO O FILHO DA PUTA DE ESFORÇO SEJA SENTIDO COM OUTRA RAZÃO QUE É A VONTADE MAIS QUE PERFEITA PARA ACABAR COM TODO O ESFORÇO MESMO QUE SE MANTENHA O FILHO DA PUTA.

23 setembro 2016 : 00.38

o teu gosto sobe à boca
com atraso
e prolonga-se
um fiozinho a azedo - muito suave
a saber a silêncio a tempo demais
a ferro oxidado a escorrer-me pelos dentes
ao corpo ainda quente
e ao calor por dentro do corpo

de que foram feitos os meus olhos
e o meu coração
para que as mãos só soubessem ser tuas
por mais certezas de que o mundo andava
ao contrário de ti e de mim
apesar do decalque de mil e uma noites
um corpo com quatro pernas em abraços
e mais nada
só véus e rendas grossas
e fotografias nas paredes de sempre
paredes brutas
persistentes
silenciadoras
e a serem a casa que eu queria

fui feito do ruído de quilómetros
do asfalto das viagens
deliciosamente intermináveis
onde a robustez eras tu
enquanto os meus olhos flutuavam
sob os telhados e o céu e as estrelas sem luar

fui feito de areia a estender-se até ser mar
e um barco às rodas
em desafio pra lá das ondas pra lá das rochas pra lá da verdade
um teatro de sombras que se mostram ao anoitecer
o encontro entre os lábios
o veneno do meu querer.

19 outubro 2016 : 02.01