domingo, 4 de fevereiro de 2007

A morte de Al Berto.


sobem nuvens de éter num céu de uma cor qualquer
há sangue derramado no chão
como seiva incandescente
ouvem-se os gritos das facas no arranhar da carne
putrefacta
lambida pelo tempo azedo que não nos deixa rejuvenescer

não há mais nada senão papel
e o teu nome no canto rasgado do meu coração
por isso hoje sou eu que me vou embora como se fosses tu a fugir

não quero olhar para trás
com medo de te encontrar num canto de uma casa abandonada
talvez pintada de branco por uma brisa de Agosto
vou-me deixar naufragar em becos lisboetas onde as luzes dos candeeiros estarão à minha espera
e as buzinas dos carros serão melodia de um novo sonho
sigo apenas o rasto da mordedura das abelhas que não souberam fazer ninho nos meus olhos
que inflamavam na loucura dos teus beijos de mel

já não durmo mais contigo
nem espero pelo amanhecer para fumar um cigarro dos teus
não te direi mais o quanto és belo nem entrarei mais em ti
numa fusão distinta de gelo com absinto a fumegar
não te escrevo mais
não escrevo mais

vou partir
e levo apenas tigres num baú de insanidade
e corpos filiformes que se partem ao toque dos meus dedos
gelados

não me procures para onde vou
encontra-me nas pegadas de poeira de lume
em todas as casas que habitámos
por uma noite
ou uma tarde molhada pelo sal de um oceano qualquer
talvez encontres o Alberto ou o Al Berto te encontre a ti
num esplendor de luz miúda
onde os lábios serão encontro de jóias transparentes

toca-me nas estrelas
que serão nossas para sempre
como compromisso fotográfico que se guarda numa memória de relâmpago

parto agora
e ainda levo comigo o peso de ter
nunca mais
4 Fevereiro 2007 : 20.43


[fotografia: Paulo Nozolino (pormenor da imagem de capa de "Horto de Incêndio")]

5 comentários:

Anónimo disse...

de longe o melhor texto teu que li ate agora... nao sei mesmo que dizer...
ta excelente...
[[[]]]

Anónimo disse...

amei maninho!! serio!

sabes q se podesse "escreveria o texto" ctg.. mas nao posso.. nao pq nao quero, apenas nao posso!
..mas sabes que estarei sempre por perto! ;)

aquele abraço!!

Rui de Noronha Ozorio disse...

Soberbo! Penso que não consigo dizer mais nada em relação ao texto! Não precisa de adjectivos suplementares... excelente!

Anónimo disse...

sabes aquele sentimento de saber que independentemente do que nos fizerem nao conseguimos deixar de gostar dessa pessoa?
pah acho que sabes que estou assim
mas em grande parte continuo de pe a enfrentar todas estas coisas porque tenho pessoas como tu na minha vida!
pessoas que fazem com que a dor de me esticar para "tocar num aviao sem tirar os pes do chao" nao doa tanto!
e porque um dia deixaremos os dois de tentar tocar o aviao e voaremos em cima dele ate ao um sitio onde todo aquilo que nos tem acontecido nao seja mais do que uma miragem...
mais um brinde caro amigo...
aqueles que sonham acordados como nos...






um grande abraço

Anónimo disse...

Como intrusa que sou peço desde ja desculpa por nao pedir licença mas a alma ja estava aberta. O Luis mostrou-me este texto com o orgulho de quem o sentiu e quem quer bem e eu li-o com o prazer de ver nele escrita a poesia. Dou-te os parabens, mesmo que pouco sentido faça dar os parabens. Mas dou... dou porque sinto que devo dar. E sinto que o mereces ler. Escreves de uma maneira brilhante.

[agora nao penses que sou aquela dual ou la o que é aquilo :S de insanidade tenho muito mas nao para dizer amo-te a quem nao conheço :/]