terça-feira, 27 de julho de 2010

Porto.

Hoje a noite cresce com o cheiro a incêndio. Deixaram alguma coisa a arder tempo demais. Talvez fossem barcos, ancorados a um porto qualquer que fosse o seu lar. Nem a água soube o que fazer desta vez e eles alastraram-se em braços vermelhos e amarelos num abraço de calor. Chegaram a nós no perfume do incenso que são. E levam-nos na mesma a viajar. Onde as estrelas são mais que poeira e o chão é feito de sonhos reais. Fechamos os olhos e estamos lá. Sem remos nem outras seguranças. Sem água. Sem ar. Só nós, feitos de madeira, com as proas aguçadas e corajosas, e transportamos as vontades de ser mais que isto. Não há velas nem mastros, apenas quilhas pesadas e âncoras para sabermos parar. Um dia, também nós podemos arder, quando nos deixarmos consumir a nós próprios, e pode ser que alguém queira viajar naquilo que sempre fomos, água e ar, sem madeira nem cascos vigorosos. Nós somos onde os outros viajam. Permitimos-lhes as viagens que nos deixam marcas na passagem. Nós permitimos. E apesar de todos os gritos e de todas as horas atrás da janela não condeno a minha natureza.
Hoje a noite cresce com o cheiro a mar. Talvez hajam barcos à deriva à espera de um porto seguro. Oxalá a maré esteja a favor.

27 Jul 2010 : 22.17

2 comentários:

moulin disse...

E entretanto começo a perceber rasgos de sentimento aquosos o suficiente para me sentir limpo. Lavado como essas rochas onde nos já deixamos. Não quero sentir, contudo, a dolorosa incerteza com que me flagelou o momento e os momentos desse momento. Foge-me, leva-me contigo, vamos ver Paris e o mundo. Percebe-me e faz-me perceber-me, porque agora sinto-me arrastado – ainda que de bom grado -, e faz-me murmurar de sem-ternura falsa. Move-me contigo, e deixa-me resistir nesses fios negros de cheiro a coisas da noite.

nana disse...

muito bonito!!