quarta-feira, 13 de março de 2013

Prato do dia.

As pessoas que almoçam consigo próprias devoram-se entre o rissol de camarão e a sopa. É quase como um acompanhamento que enche por si só. Enche, enfarta, entope. Deixam-se implodir lentamente, com os bracinhos deitados numa nesga de sol sobre a mesa. Alheios às buzinas lá fora, alastram as olheiras, enrijecem os cabelos, reduzem a boca a um corte cirúrgico imperceptível. Entregam-se, sem luta, num delicioso prazer autofágico. Membro a membro, músculo a músculo. Mmmm! As pernas são as primeiras, antes que apareça a vontade de mudar de sítio. Os braços antes das vísceras, começando pelos dedos. Por último, todo o recheio da cabeça, que apesar de pouco é o mais saboroso. Só não comem os olhos, que as cataratas, miopias e outras deficiências na capacidade de focar deixam-nos demasiado azedos. No fim do banquete, deixam uma carcaça de pele e pêlos esticada na cadeira. O telemóvel também vai, junto com o café.
Posso pagar com multibanco? Olhe, esqueça que também acho que comi o cartão. Ponha na conta que eu pago amanhã. Tenha um bom dia.
Arrotam de boca cheia e limpam a boca à saída.
Acho que comi demais.
13 Março 2013 : 02.20

1 comentário:

Anónimo disse...

Originalidade. Muito bom!

Noronha