quinta-feira, 4 de julho de 2013

Falta um mês.

1
Se ao menos soubesses que continuo a contar o tempo em cigarros.

 
2
Beliscões. As vontades deixaram de ser pontadas na barriga e passaram a ser beliscões. Falta agora a Vontade de virar tudo de vez.

 
3
Enferrugei a âncora com todas as palavras que engoli com sal a mais. Agora nem sobe, nem desce. Serve apenas para me inclinar o barco para que se note o castigo.


4
As amputações dos dedos, mesmo que lentas, dão força às penas para que cresçam em metástases pelos braços.

5
O calor do sul mais a Sul faz-me dores nas costas.

6
A fraqueza mede-se no brilho que dá cor aos nossos hematomas. E é esse sangue que nos coagula a Vontade.

 
7
O dia nasce na arrogância de que é possível renascer, por mais vezes que o tenha feito antes de nós. Envelhece-nos e escurece-nos para que o julgamento seja feito sem dúvidas e com uma vitória única. Uma sentença apenas. Como um vómito, que de incontrolável faz do desconforto um alívio para um amanhecer melhor.
 
8
As encostas mudam a forma, à medida que os quilómetros passam pela janela, mas mantêm uma humidade constantemente verde.
 
9
Reus. M'encantas.
 
10
Volver a ti, mi madre, que me calientas el Corazón.
 
11
Deixei a pele absorver do sol salgado o segredo que me sara as feridas assim que ele se põe.
 
12
Hoje conheci um marinheiro
que guarda no corpo as marcas de todos os portos e praias
e na boca
os segredos para uma promessa melhor.
Mas o amor só o tem ao Mar.

13
O meu tempo é maior no lugar que sou eu. É como se escondesse outro mundo debaixo das pálpebras, para trás do ponto de fuga à minha frente.

14
Descobri o lugar, bem acima do mar, onde os ruídos carregam memórias de sal. E ardem ao entrar, como se curassem os incontáveis cortes das folhas de papel.

 
15
A despedida a atar-me os pés e a garganta.
 
16
Formiguinha trepadeira
Trabalhas a vida inteira
Se saires do teu carreiro
Tens um inferno verdadeiro.

Trabalha então, minh'amiguinha
Esquece a mania de ser diferente
Já falta pouco p'ra seres tolinha
P'ra já és parva como toda a gente.
 
17
Ridiculamente igual.

18
Igualmente ridículo.
 
19
Hoje liguei-te para te mostrar os olhos. Quis voltar para ti, para dentro de ti, que és mais que a casa. E na tua voz senti os quilómetros da saudade da altura em que tinha altura para me esconder atrás de ti.
 
20
Continuo a guardar-te as tuas conchas favoritas, Mãe, para que faças armaduras reluzentes a protegerem a mais maravilhosa pérola.
 
21
Hoje és a única estrela no céu. E eu sou o espelho a aprender a brilhar como tu.
 
22
Não podes ir sem mim. Como se fosse possível isso ter que acontecer antes do tempo. És uma princesa armada em guerreira e por isso não duvido da tua força corajosa, por mais estranho que esteja o teu reino. Ainda és tu. E ainda é agora.
 
23
Nem todos os dias são de escrever.
 
24
Alfama cantadeira

Traz-me espetadas e vinho à mesa
Senta as guitarras na cadeira
Faz do fado uma brincadeira
Que me serves p'ra sobremesa.
 
25
A greve está grave. E era grave se não houvesse greve.
 
26
Fechar os olhos como os patos, debaixo para cima, para que o céu seja a última coisa que veja.
 
27
O sangue, o meu, a aflorar-me à pele e a saber-me na boca, numa partilha solarenga, quase abafada, onde o amor genuíno somos nós.
 
28
Despedi-me de ti como se fosse para sempre.
 
29
A mudança a ser mais força que vontade. Até já tenho derrames pelo corpo a disseminar tromboses paralisantes. Quero ou tenho? Ou tenho que querer?

30
Um. Dois. Três.
Que a mudança seja de vez.
 
31
Festejar o aniversário é o mesmo que festejar o tempo que já não temos. Será assim tão digno de festa quando temos menos um ano de vida? É quase contranatura admitir que a vida se constrói ao contrário, mas a verdade é que, enquanto o corpo definha (bem como tudo o que é físico) durante a sua existência, o que somos tem que ser sempre mais. Um crescer metafísico que depende, apesar de tudo, do exoesqueleto que, também, somos nós. É ser de dentro para fora e encolher em simultâneo. E não há paradoxo mais-que-perfeito que este.
Vinte-e-cinco anos e umas horas é o tempo que tive para ser maior, no plano físico e no outro. E é infeliz a ideia de, pelo menos num, já ter falhado.



3 Junho 2013 a 3 Julho 2013

 

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