sexta-feira, 18 de abril de 2014

Os dias têm sido desérticos, o que em nada altera a sua propriedade viscosa, natural de todos os dias. Facilmente se percebe porquê: nunca nos desprendemos totalmente do que foi ontem, como se o ontem quisesse sempre ficar mais um bocadinho, ficar mais uns dias, uma semanita, a ser hoje. Os dias também são teimosos, a insistir no persistir.
Mas falava eu do quão solitários têm eles sido, os dias, como uma penitência épica ao epicentro da consciência. Entedia-me toda a repetição do nada-de-novo-porque-não-há-mais-nada-de-novo. E de vez em quando, só uma aragem, com o cheiro delicioso a novo, a prometido. E nesse momento formam-se, na cabeça, âncoras de certeza a enferrujar o corpo da vontade com um só clarão. Porque esta ferrugem alimenta, preenche e rebenta a qualquer momento. É isso! Os dias também têm sido granadas já sem gatilho, a eminente implosão.
Evoluir desformata-nos: elimina, altera, constrói. Não nos apura os sentidos, cria-os. E todo o corpo continua a ser o mesmo, mas com outra auto-percepção. Deixa de ser crença e passa a ser a doença. Vicia-nos na introspecção auto-infligida. Muta-nos, para além de toda a treta genética. E faz dos dias apenas o tempo que leva a sua embrionagem. A aproximação e o compasso de espera que isso tem. Ver de perto, ser mais perto, ao ponto de só ser, unicamente. Ser o ponto do ponto final, indivisível. Ser absoluto como um calhau da rua, a abrir o sobrolho no primeiro arremesso. Reagir e criar ligações mais-que-químicas, a unir os nossos pontos de fuga para uma nova direcção.

17 Abril 2014 : 20.54

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