quinta-feira, 1 de maio de 2014

um estrangeiro completamente perdido e duas malas, nas suas mãos, a pesarem para além da incerteza. um olhar rápido, a escorregar-lhe pelo canto do olho, na esperança de encontrar uma referência. mas o casario é fechado, por mais acolhedor que seja, é uno, e condensa as histórias em pequeninas partículas por debaixo das pedras da rua. é um labirinto de casas a brotar como dentes, a desenharem sombras maciças e verdadeiramente opacas, que limitam o atrevimento das clareiras de luz que vão dançando até ao último brilho da tarde. até a noite passa por aqui mais devagar, a deixar segredos e romances no anteceder do perfume da manhã. todas as paredes falam dos que abrigam, enquanto os telhados se deitam a molengar ao sol, de barriga para o ar, a deixar escorrer o calor todo pelos becos, verdadeiros afluentes desafogados a inebriar qualquer um que lhes desafie a corrente.
e, de repente, o silêncio após o sussurro mais doce das laranjeiras, a pesar, a pesar, e a prometer encher-lhe o peito de promessas. até as janelas, ansiosas, abriram mais um pouquinho a cortina à espera de uma decisão. eram pra lá de mil, ao todo. nem um pousar de pratos, nem uma gargalhada ou uma chave a entrar na porta. apenas o silêncio a dar gosto ao beijo de Alfama. 
o estrangeiro ainda lhe sorriu, rendido a todo o convite para entrar, mas foi embora. o parvo. que não queria arranjar confusões com a namorada. nestas férias não ia mesmo fazer merda. não estava para paixonetas.
30 Abril 2014 : 21.38

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